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Tibico cheio de pica!
Estamos no século XXI e a protagonista, dona das hemorróidas é Helen Memel, uma miúda de 18 anos com um currículo sexual inesperado para a idade, que se entretém a cultivar abacates para utilizar os caroços para se masturbar, e que prefere usar como perfume os próprios fluidos vaginais. Uma Lolita dos tempos modernos, como lhe chamou o Library Journal? Ou uma anti-heroína feminista cuja voz se levanta contra a ditadura da beleza, a depilação, o sexo limpinho e os corpos perfeitos?
“Eu queria escrever um livro honesto sobre o corpo feminino, e foi muito divertido pensar em todos os tabus que envolvem as mulheres”, disse a autora, Charlotte Roche, em entrevista à revista Época. Apresentadora de televisão de origem inglesa mas criada na Alemanha, a autora conseguiu, aos 31 anos e com o primeiro livro, ir tão longe na confrontação desses tabus que se fala de leitores a desmaiar em sessões públicas de leitura de Zonas Húmidas.
Ainda assim, as vendas têm sido um sucesso, com mais de 1.5 milhões de exemplares vendidos. Uma prova de que livros com passagens de pura pornografia são sempre uma receita para produzir bestsellers.
Sexo, o corpo feminino, higiene, depilação, pus, menstruação e masturbação são os temas preferidos da autora, que inventa palavras para descrever as partes íntimas: as hemorróidas são a “couve-flor”, os lábios internos da vagina são a “crista de galo”, os lábios externos “biscoitos de baunilha” e o clítoris é a “trombinha prelada”.
Há um mérito que se pode dar a Zonas Húmidas: é completamente desinibido e chega a ser cómico com o seu descaramento, num género de comédia negra. Outras vezes é simplesmente nojento e demasiado gráfico, como quando a personagem principal abre a costura que tem no ânus com o pedal da cama do hospital, onde está internada em pós-operatório devido a uma tentativa falhada de rapar os pêlos da zona anal.
É do hospital que todo o livro é narrado, e não há propriamente um enredo senão o das considerações sexuais e anti-higiénicas. É verdade que também há a história familiar, em que Helen tenta aproveitar a estadia no hospital para juntar os pais divorciados, mas no geral o romance é um conjunto de altos e baixos, tal e qual como os caroços de abacate com que a protagonista gosta tanto de se divertir."
Hoje de manhã estive num julgamento com vários arguidos traficantezecos. Um dos advogados de defesa, questionando o polícia sobre manobras de vigilância que tinham sido efectuadas sobre dois dos arguidos, numa casa de banho de uma estação da cp,
Quem me dera que eu fosse o pó da estrada
E que os pés dos pobres me estivessem pisando...
Quem me dera que eu fosse os rios que correm
E que as lavadeiras estivessem à minha beira...
Quem me dera que eu fosse os choupos à margem do rio
E tivesse só o céu por cima e a água por baixo...
Quem me dera que eu fosse o burro do moleiro
E que ele me batesse e me estimasse...
Antes isso que ser o que atravessa a vida
Olhando para trás de si e tendo pena...
Alberto Caeiro